POLÍTICA NACIONAL
Ministro da Saúde diz não ver problema em Queiroguinha ‘visitar o pai’
Em audiência na Câmara dos Deputados, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, minimizou nesta terça-feira a atuação do filho dele, Antônio Cristovão Neto, o Queiroguinha , na intermediação da liberação de recursos.
Ao longo do último mês, O GLOBO publicou uma série de reportagens que mostra como Queiroguinha tem se valido de recursos federais e de eventos públicos do governo para turbinar sua pré-campanha a deputado federal no estado da Paraíba.
Indagado por pelo menos quatro deputados, que queriam saber sobre o “acesso livre” dado a Queiroguinha em diferentes pastas, Marcelo Queiroga disse “não ver problema” em sua atuação.
“Qual é o problema de um filho visitar um pai no ambiente de trabalho? Tenho a consciência tranquila, ajo dentro da lei. Todos os recursos liberados pelo ministério da Saúde são recursos avaliados pela equipe técnica do ministério. Duvido que os técnicos coloquem seu CPF para liberar recursos de maneira imprópria. Liberação de recurso de maneira imprópria e corrupção pandêmica não são características do governo de Jair Bolsonaro”, destacou.
O filho do ministro da Saúde tem participado de eventos de lançamento de obras e frequentado cerimônias, ocasiões em que fala como representante do Executivo, mesmo sem ocupar um cargo público. Nessas circunstâncias, Queiroguinha ainda promete colocar prefeitos em contato direto com o seu pai para tratar de liberação de recursos públicos.
A audiência na Câmara dos Deputados teve início às 9h. Foi uma reunião conjunta das comissões de Defesa do Consumidor, de Defesa dos Direitos da Mulher, de Fiscalização Financeira e Controle, de Seguridade Social e Família, e de Trabalho, Administração e Serviço Público.
Líder o PSB na Câmara, o deputado maranhense Bira do Pindaré foi o autor do requerimento para que o ministro comparecesse à Câmara, na data de hoje, para responder às questões do caso Queiroguinha. Por meio de um acordo de líderes, no entanto, ficou acertado que o ministro compareceria, mas também para prestar esclarecimentos relacionados a requerimentos de outras comissões.
Na audiência, Bira do Pindaré questionou se Queiroginha exerce algum cargo no governo e se existe um “gabinete paralelo” comandado pelo filho do ministro na sede da pasta em Brasília.
“Isso não seria tráfico de influência? Seu filho está usando a máquina pública para se eleger? Isso não seria improbidade administrativa?”, perguntou o deputado.
O ministro, neste momento, se irritou e fez acusações contra os governos que antecederam a gestão de Jair Bolsonaro.
“Nós sabemos onde os líderes de governos anteriores foram parar. Nós sabemos onde estavam os recursos da Petrobras”, afirmou.
Os deputados, então, começaram a pressionar o ministro, afirmando que ele estava se esquivando das perguntas e que o caso será investigado por Polícia Federal e Ministério Público Federal. Houve um princípio de bate-boca e o presidente da sessão teve que intervir, pedindo silêncio e que os ânimos se acalmassem.
“O caso Queiroguinha é um caso que não se sustenta. Meu filho é filiado a um partido político que é o Partido Liberal. Estamos numa época de pré-campanha. Igualmente os senhores têm o direito de assumir compromissos em nome da sua população”, encerrou o ministro, já no fim da audiência.
Na segunda-feira, O GLOBO mostrou que Queiroguinha tem acesso exclusivo ao governo. No último ano, ele esteve ao menos 30 vezes no Palácio do Planalto e no Ministério da Saúde. Metade dessas visitas ocorreu a partir de fevereiro, quando o jovem universitário de 23 anos se filiou ao PL, partido do presidente Jair Bolsonaro, e se lançou como pré-candidato a deputado federal pela Paraíba, seu estado. Nenhum desses encontros foi registrado em agendas oficiais.
As catracas do Palácio do Planalto registraram ao menos 12 visitas de Queiroguinha, sendo que em ao menos três ocasiões o destino foi o gabinete do presidente da República, Jair Bolsonaro. No ministério comandado pelo pai, o estudante de medicina esteve 18 vezes no período de um ano. Todas essas visitas aconteceram pela entrada privativa da sede da pasta, reservada a autoridades.
Em 9 de março deste ano, Queiroguinha esteve no gabinete presidencial ao lado de Bolsonaro e do então ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, com os quais tirou uma foto e postou em suas redes sociais: “Tivemos a oportunidade de conversar sobre os avanços do Brasil e sobre as pautas da minha querida Paraíba. Como cidadão paraibano, faço questão de estar sempre a par do que acontece no meu país e no meu estado”.
Seis dias depois, em 15 de março, Queiroguinha esteve no Planalto novamente e informou na portaria que o seu destino seria a Assessoria Especial da Presidência. Em suas redes sociais, ele postou uma foto com Bolsonaro e escreveu: “Debatemos sobre muitos assuntos e avanços para o Brasil e para a Paraíba. Oramos juntos para que nosso dia seja de muitas graças. Vamos em frente!”.
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Fonte: IG Política
POLÍTICA NACIONAL
PEC das Drogas é inconstitucional e deve agravar cenário de violência
O Senado aprovou, nesta terça-feira (15), em dois turnos, a proposta que inclui no artigo 5º da Constituição Federal a criminalização da posse e do porte de qualquer quantidade de droga ilícita.
Especialistas ouvidos pela Agência Brasil apontam que a medida, além de inconstitucional, deve agravar o cenário atual de violência, encarceramento e desigualdade social. A avaliação é que descriminalizar as drogas e promover uma regulamentação seria uma solução mais eficiente.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) teve 53 votos favoráveis e nove contrários no primeiro turno, e 52 favoráveis e nove contrários no segundo turno.
“É a demonstração de que o Senado Federal deu as costas para a Constituição e abraçou essa política de drogas racista, genocida, super encarceradora e que fortalece facções criminosas”, avalia o advogado Cristiano Maronna, diretor do Justa, centro de pesquisa que atua no campo da economia política da justiça.
Para o especialista, a descriminalização e a regulamentação seriam mais eficientes do que a alteração aprovada no Senado. “É essa a direção em que países com democracias de alta densidade estão seguindo. Já o Brasil está no rumo seguido pelas autocracias e ditaduras”, disse o advogado, que é mestre e doutor em direito pela Universidade de São Paulo (USP).
A PEC, que agora será avaliada pela Câmara dos Deputados, foi articulada após o Supremo Tribunal Federal (STF) voltar a pautar o julgamento da descriminalização do porte da maconha para uso pessoal, determinando a diferenciação entre usuário e traficante. Um pedido de vista do ministro Dias Toffolli suspendeu o julgamento em março. A matéria está em 5 votos a 3 para a descriminalização somente do porte de maconha para uso pessoal.
Cristiano Maronna defende que o Supremo, ao votar o tema, está exercendo uma função típica de corte constitucional, que é declarar inconstitucional uma norma jurídica. “Além disso, o Supremo também exerce uma função contramajoritária ao impedir a ditadura da maioria política, quando a maioria política está alinhada para violar direitos fundamentais”, acrescentou.
Proibição
O advogado Erik Torquato, membro da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas, avalia que a proibição é ineficaz. Segundo ele, a criminalização gera um efeito colateral muito maior do que as próprias substâncias em circulação na sociedade. O especialista defende que a regulamentação é o caminho mais eficiente e racional. “As substâncias que mais causam danos sociais nas famílias e na sociedade, prejuízo ao atendimento público de saúde, não são criminalizadas. E uma política pública eficiente de controle de substância, que é o controle do tabagismo, passou longe da criminalização”, disse.
Membro do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad) e integrante da Rede Reforma, a advogada Cecilia Galicio destaca que não há no mundo precedentes de criminalização constitucional do uso de substâncias.
“Acredito e torço por uma mobilização social não só capaz de reconhecer a indignidade da criminalização, como também em ações que discutam o movimento global de lidar com a questão do uso de substâncias sob a ótica dos direitos humanos, afinal, o tráfico de drogas é internacional, e não há solução local possível sem compreendermos esse fenômeno como um todo”, disse.
A conselheira do Conad ainda ressalta que a PEC trata de um tema que o STF já sinaliza como inconstitucional. “Com a iminência da decisão do STF, a princípio, dependendo do andamento do julgamento e da votação final na Câmara, viveremos um período de vacância, no qual podemos estar tanto sob a égide de uma lei mais justa, que seria a descriminalização, para rapidamente voltarmos à regência de uma lei injusta e retrógrada como pretende o Senado”.
STF
Erik Torquato afirmou que a PEC das drogas é inconstitucional e uma afronta ao artigo 5º da Constituição, uma cláusula pétrea de proteção de direitos e garantias fundamentais, que se dedica a proteger os cidadãos contra arbítrios do Estado. Ele explica que o artigo só poderia ser alterado para expandir tais proteções e garantias, jamais para restringi-las. Isso porque a Constituição não permite a diminuição e o retrocesso de direitos.
“Essa alteração que está sendo proposta [pelo Senado] insere no artigo 5º a restrição a um direito, a uma garantia fundamental, ele viola frontalmente o direito à intimidade, à vida privada, à dignidade, previsto na Constituição. Então o Supremo poderá ser chamado a se manifestar sobre isso, e ele pode se manifestar já dentro do recurso extraordinário [sobre descriminalização de drogas]”, disse.
Em 2015, quando o julgamento começou, os ministros começaram a analisar a possibilidade de descriminalização do porte de qualquer tipo de droga para uso pessoal. No entanto, após os votos proferidos, a Corte caminha para restringir a decisão somente para a maconha. A legislação atual, além de prever penas, ainda que atenuadas, para quem for pego portando drogas para consumo próprio, não define a quantidade que difere o traficante do usuário.
Conforme os votos proferidos no STF até o momento, há maioria para fixar uma quantidade de maconha para caracterizar uso pessoal, e não tráfico de drogas, que deve ficar entre 25 e 60 gramas ou seis plantas fêmeas de Cannabis. A quantidade será definida quando o julgamento for finalizado. No caso concreto que motivou o julgamento no STF, a defesa de um condenado pede que o porte de maconha para uso próprio deixe de ser considerado crime. O acusado foi detido com três gramas de maconha.
Violência policial
Para o especialista da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas, uma vez incluída a criminalização dos usuários na Constituição, haverá um aumento da repressão. “Sem sombra de dúvida, com a promulgação dessa emenda constitucional que criminaliza os usuários, aqueles que atuam na repressão ao varejo e ao consumo se sentirão ainda mais legitimados para implementar a política que já é implementada de combate às drogas”, disse Torquato.
Além disso, ele aponta que a PEC das Drogas representa a garantia do comércio de substâncias ilícitas centralizado no crime organizado. “É a constitucionalização do monopólio do tráfico de drogas na mão do crime organizado. Ou seja, é um desserviço à sociedade o que o Congresso Nacional está prestes a fazer.”
O advogado ressalta que o desdobramento mais natural da PEC é o acirramento de uma disputa de narrativa, no âmbito da criminalização de usuários e da perseguição violenta ao varejo de tais substâncias, o que tem o potencial de impactar uma população já vulnerável, residente em áreas de pouca assistência social, de baixo desenvolvimento humano, como as periferias das grandes cidades e o interior dos estados.
“[Locais] onde o Poder Público se mostra muito deficiente na garantia dos direitos e garantias fundamentais – saneamento básico, educação, segurança – e onde os grupos armados têm uma presença mais efetiva, que é também onde o combate violento ao comércio dessas substâncias ocorre. Certamente, os jovens pretos periféricos que moram nessas zonas de baixo desenvolvimento humano, nas periferias, nas favelas, eles se tornarão ainda mais vulneráveis a uma política de repressão que é violenta, estigmatizante e criminalizante”, alerta.
Cristiano Maronna enfatiza que o voto do ministro do STF Alexandre Moraes, neste caso da descriminalização, escancarou o modo disfuncional como a lei de drogas é aplicada atualmente, já que a mesma quantidade para um jovem negro periférico caracteriza tráfico e para pessoas brancas em bairros nobres caracteriza uso pessoal.
“O ministro faz um verdadeiro libelo contra o sistema de justiça – polícia, Ministério Público e judiciário – ao reconhecer que, depois que a lei de drogas entrou em vigor, usuários negros, pobres, periféricos e com baixa instrução passaram a ser tratados como traficantes em comparação com pessoas brancas flagradas com a mesma quantidade de drogas. Para o Senado Federal, essa situação não é um problema, isso não sensibilizou os senadores”, disse.
Saúde
Em relação a pessoas que fazem uso abusivo de drogas, Maronna aponta que a PEC fala em tratamento e avalia que isso se configura “um risco de massificação das comunidades terapêuticas, de implementação de medidas higienistas, como a internação forçada, que tem um índice baixíssimo de eficácia”.
Erik Torquato reforça que o tratamento de pessoas que fazem uso abusivo de substâncias jamais poderia estar previsto numa norma de cunho criminal. “Tratar pessoas que são doentes dentro de uma norma penal é um contrassenso, é criminalizar a condição de saúde da pessoa. É dizer que uma pessoa está doente porque ela é criminosa, ou é criminosa por estar doente”, disse.
Segundo ele, a criminalização dessas pessoas, promove, na verdade, seu afastamento dos equipamentos de saúde, cuidado e atenção. “Nós estamos afastando essas pessoas de uma atenção humanizada, de uma política pública humanizada. É inadmissível tratar aquilo que é assunto de saúde pública numa norma criminalizante.”
Diretora-executiva do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Marina Dias aponta que a lei de drogas aprovada em 2006, embora tenha problemas, muda o olhar em relação ao usuário, passando a ter uma perspectiva mais humanista e integrativa, além de despenalizar.
“Quando se traz a criminalização de novo, novamente afasta esse cidadão da política de saúde pública. Tem aí um recado de que aquilo que ele faz é crime. E joga-se para debaixo do tapete um problema que é super importante de ser enfrentado a partir de uma perspectiva de saúde, a partir de uma perspectiva de educação, de conscientização”, avalia.
Ela reafirma a inconstitucionalidade da proposta de emenda à Constituição sobre as drogas, já que restringe as garantias fundamentais e individuais.
“São vários passos atrás, é um retrocesso tremendo e não existe nenhum precedente em outro país democrático de levar para a Constituição Federal a criminalização de qualquer droga”, finaliza.
A Agência Brasil pediu posicionamento do Ministério da Justiça e do Ministério dos Direitos Humanos sobre desdobramentos e impactos da PEC das Drogas em políticas públicas e no contexto de violação de direitos, mas não obteve resposta até a conclusão da reportagem.
Fonte: EBC Política Nacional
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